Quando recebe a notícia da alta despede-se dos outros pacientes e nota que alguém o observa da outra extremidade do pátio, então, entregue ao impulso, caminha em direção àqueles olhos miúdos, reflexo dos seus, afinal está há tanto tempo dopado que o faz sem hesitar e ela, ao entender a sua intenção, levanta e parte ao seu encontro arrastando os pés que parecem pesar toneladas. Ela oferece perigo, pensa, o pijama amarrotado revela que passara a noite toda atada à cama. Sussurram uma saudação e buscam um banco, mas não deixam de se olhar e antes que se deem conta, ou que palavras desnecessárias possam ser trocadas, suas mãos se tocam e se movem sensualmente. Naquele momento partilham um mesmo ofegar e então, sem desejar, desvencilham-se. Precisa ir. Pacientes são proibidos de se tocar.
borbotoar
pequenices
O cruzar das pernas sobre o suporte do conversor era sinal de que os olhos seriam irradiados, a mente inundada e, por vezes, sentimentos novos despertados, principalmente ao percorrer formas não comuns às pequenas que timidamente observava banhando suas Barbie. Bambalalão? Gigi... Gigi era diferente e “Pirulito Que Bate-Bate” sua trilha romântica.
Era 1982 e não compreendia a razão de ser do Naranjito. O sol que cegava também confortava incidindo sobre a jardineira marinho quando ela deitou à beira da piscininha do Parque Infantil e lançou aquele “vamos brincar de Bela Adormecida?”. Claro que seu estômago se contorceu, a brincadeira envolvia movimentos reservados aos adultos e, caso pegos, o castigo era certo, ainda assim quis muito tocar os lábios. Tristeza e alívio se instalaram quando a professora surgiu flagrando o quase ilícito.
Pés descalços e ioiôs faziam parte dos domingos, entretanto naquele a parenta pouco mais velha tinha algo diferente no olhar e um “grude” surgiu. Acabaram se abrigando no pequeno galpão de ferramentas e por entre os dentinhos separados veio o que tramava a massa sob os cabelos desgrenhados: “Me beija! Vamos fazer de conta de papai e mamãe!”. Pegos, rapidamente cruzaram as mãos nas costas tentando dissimular. Passaram tempo demais longe dos olhares vigilantes e a bronca foi inevitável. “Isso não é brincadeira de criança”. Sem surra, ao menos por ora.
mova os membros do títere teu
querida,
manuseia as cordas.
é o 0, o Ø
e o cinco e 50.
os ciclos fechados.
cara errado
A morbidez habitual toma o indivíduo quando em seu interior está o desconforto da prestidigitação, o nada ou são moribundas as poucas lembranças agradáveis e os odores não são mais identificáveis. Se tudo é menos palpável ao cerrar dos olhos, o maldito cara errado, o tal sempre à margem do coração de alguém, reconhecerá razão para vagar se nada resta?
fugas
Você bem sabe, eu sei,
fujo ainda.
Quando à janela me atenho,
fujo sim.
E sinto teu alvoroço interior,
teu desejo de compartilhar.
Quero derramar toda a verdade.
a camiseta
Tratava de fechar as janelas da casa quando a figura saltou sobre a cama. Interrompeu-me. Mesmo sem olhá-la diretamente, noto as pernas nuas sob a camiseta muito grande. Antes ajoelhada e agora sentada sobre os calcanhares, no momento em que decido me voltar para ela que, espreguiçando-se, põe-se em pé sobre os lençóis estendendo os braços em minha direção. Atropelo as incertezas e toco o verso dos joelhos da mulher que espreme os olhinhos a medida que o sorriso ganha tamanho e os braços, antes ao ar, repousam sobre os meus ombros e me envolvem o pescoço. Com força, e com apenas um braço, a abraço para, finalmente, o beijo. No momento em que as línguas se acarinham já a tenho sobre uma das mãos, as coxas a minha volta e as bocas apenas ensaiam a distância quando os olhos é que não podem mais adiar o encontro.
sub
ruim de verdade
A carcaça, em verdade um amontoado de rabiscos em forma de gato, deu uma volta no corredor enquanto a vizinha, agasalhada e que o saudou com um “boa noite” no dia claro, descia as escadas à garagem, então hesitou e voltou ao apartamento. No corredor viu também o sorriso pairando no ar como na velha animação. Socou, socou e socou até só sobrar aquilo, ainda a carcaça. “Deixa minha cunhada em paz!” e, em pensamento, estendia a recomendação à sobrinha que algo dizia era filha. Havia uma informação oculta. O que recebia os golpes, não parecia, era filho e nenhum dos dois imaginava. Instrumentos. Fantoches. Ferramentas. “Eles os enlouqueceram!”. Ou nada disso estava realmente acontecendo, ao menos não como os sentidos percebiam. Talvez ele fosse ruim de verdade. E só.
clandestino
Pode o amor, mesmo exercido na clandestinidade, ser aniquilado pelas convenções sociais, o preconceito, o ódio, o orgulho, a vaidade e “dois mais dois”?
liquefação
Arrastando-se, com a cabeça repleta de histórias inacabadas, deixa um rastro de lágrimas.
baldado
A luz forte da lâmpada do banheiro lhe irrita e exige que mantenha os olhos quase fechados ao escorar-se na pia. Sem razão, admira-se no espelho turvo e não reconhece o semblante com as enormes olheiras e a barba por fazer. Também não lembra quando a tal transformação aconteceu ou quando a criatura interior emergiu, mas sabe que a aparência anterior não condizia, apesar do confortável ar infantil que foi obrigado a habituar-se. Seus rituais sempre foram a manifestação do espírito velho, com o lenço no bolso, o vermute que preferia ou o baseado que enrolava sobre as antigas revistas ao som do garage.
há sempre uma história
Usando os mecanismos de sempre, conta histórias sem compartilhá-las e encontra no interior escuro a fagulha que prefere evitar, sinal de que fora cooptado pela lisonja, então, nubívago, prova o gostinho. Neste período os minutos se arrastam até que enfim “entende”, a desconstrução da palavra, apesar da referência, subverte o conceito e nega o nomeado, logo ele, que sempre foi NADA e agora se reconhece SEIS.
o acidente
As mãos à cabeça quando, do bordo da via, esforça-se para modular os batimentos através do controle da respiração. Elas escorregam e uma fração de segundo se passa até que compreenda que o líquido vermelho que as encharcam, e começa a gotejar com cada vez maior intensidade no asfalto, é seu sangue.
estação
Palavras ásperas às pessoas que se recusam a compreender e, violento, arremessa objetos quando sente a presença. Não a vê, pensa se novamente imagina coisas e, raivoso, caminha rapidamente para a plataforma. O som revela que o trem se aproxima, então cerra os punhos, prende a respiração e, quando dá início ao movimento do passo derradeiro, a mão pequena o paralisa ao tentar envolver seu antebraço. Surpreso, rapidamente se volta e é golpeado pelo dulçor do sorriso que não notara. Aventa envolvê-la pela cintura, mas bastam-lhe a caminhada e o silêncio enfim interrompidos pela voz agradável que bem conhece. Sua aura o toca.
de sangue doce
Sons na cozinha e uma nova pirueta entre as cobertas são o bastante para lançá-lo ao campo das incertezas e fazê-lo pensar se alguém realmente se movimentava lá, mas aniquilou a ideia com o habitual “dane-se”, afinal uma imagem mental qualquer sempre foi o bastante para dar início a fantasias plenas de mirabolâncias. Sentiu que só podia ser ela e, de olhos fechados, a “viu” pulando a cerca tomada pela hera e, ousada, movimentando-se entre panelas, ingredientes, odores e o calor do velho fogão.
A madrugada chegava ao fim — isso do tangível ele sabia — quando a luz do corredor invadiu o quarto e, cético, surpreendeu-se ao ver a senhora dos lábios mais rosa que já provara, em vestido negro e carregando uma bandeja coberta por um pano de cozinha colorido. Então ela se ajoelhou ao lado da cama e exibiu um caderninho negro antes que o nubívago abrisse a boca. Nele estavam as palavras dos tempos idos.
— Desculpa, eu nunca entendi o que você dizia e agora que entendo... É tarde demais. — ela disse com os olhos cheios d'água.
Ainda admirando a figura, que há anos não via, aninhou o rosto dela nas palmas e, enquanto secava as lágrimas com os polegares, disse:
— Não tem importância. Você fez o que quis. — e a beijou.
Na cama sugeriu uma música que ele nunca ouvira — a moça sempre foi boa de “trilha sonora” — e, sorrindo, ergueu os braços para que ele pudesse tirar o vestido. Em lingerie revelou o que trazia, os potinhos de vidro com um doce vermelho como o sangue, muito mais escuro do que o coração de goiabada de outrora. O despertar apagou o nome da guloseima.
nada
Torneira mal fechada, porta aberta e o ar gelado. Precisa do calor do gato que o ronda, necessita o colo que lhe é negado e está cansado da busca que leva a nada.
o autômato
“O autômato vaga, mas miolos e coração preferem outros caminhos. Hoje a dissociação é possível, a razão está de folga.”
acalanto
Sufocam o abraço e mesmo assim — quando a palma dela, hesitante e cujo calor incide sobre seu ombro, não o toca — sente seus braços a sua volta. A sensação não dura mais que um instante e este é o segundo que não consegue congelar.
telefonema
A alegria na voz deixou-o de pernas e miolo moles. Muitas vezes brincou com a interlocutora dizendo que não gostava de chamadas buscando as lembranças de garoto e suas breves conversas ao telefone, tão curtas que as pessoas acreditavam tratar de algum código secreto, tudo isso para corroborar a ideia que servia apenas para dissimular a sua falta de jeito ao ouvi-la, porém o rezingar ao fundo trouxe-o de volta do pequeno êxtase que a voz sempre provocava. Ela calou e ele esperou. Então um “não faça isso”, em tom triste da voz doce, ouviu direcionado a outro ator e novo silêncio se seguiu, tão longo que o obrigou a se manifestar. “Fulana?”. Ela permaneceu em silêncio por mais alguns segundos e, em um esforço nítido para retomar o tom usual, encerrou a ligação com o “beijo”.
garras
A chegada é sempre coroada com as palavras duras e inconvenientes daquele que faz questão de berrar “não me interessa” uma, duas, três ou quantas vezes bem queira na réplica às respostas dos, então evidente, desnecessários questionamentos. Há também o dedo em riste, as ameaças veladas, a forçada aproximação com a intenção de intimidar e o patético ar desafiador que para nada servem além de, em seu parco repertório, atestar a sua equivocada percepção da força e o falso entendimento do exercício do poder através domínio de um indivíduo sobre o outro e assim tentar arrancar da minha memória os sabores dos raros bons momentos que, com esforço, atribuo sobrevida.
madrugada
Duas horas de sono leve, pesadelos e sudorese noturna, então decide deixar o colchonete aos pés da cama da avó, beija o gato que boceja com sua bocarra rosa, pequenos dentes como agulhas e lábios negros, dirige-se à cozinha, coloca água para ferver e, depois de acomodar os travesseiros no sofá da sala, não resiste e beija também a cabeça do cão de miúdos olhos caramelo que, em círculo, repousa sonolento sobre uma almofada retangular. Ao passar o café a lembrança dos sonhos ruins o direciona à “Hotel Hell” e “Lather”.
tolo
Não saberá enquanto preferir perceber apenas por sob o franzir da testa e a distorção da ausência das lentes que carregava sobre o nariz.
cartão postal
Aquela tarde tropecei no teu nome e não lembrei de ti. Não te reconheci. Eu te amei, te quis e neguei. Depois senti tua falta. Vi tua mão desenhar aquelas letras no cartão. Perdoa, você nunca saberá. Não está mais aqui.
eu a vi
Eu a vi esta noite, sonhei contigo tão próxima e eu repleto de conflitos. Tua boca tão pertinho, teus lábios tão vermelhinhos e eu avancei o dedo de distância que os separava dos meus para, ainda com eles juntos, começar a articular um pedido de desculpas que a mente me fez engolir com o “se não para o beijo, qual a razão da boca tão próxima?” E tropeços e atribulações que, evidente, tinham vida apenas na esfera dos pensamentos. Então, com a tua língua na minha boca, provei da tua voracidade com o sabor da tua saliva. Suguei também teus mamilos e acariciei teus seios. Sorvi da tua buceta, regalo das carnes, tudo tão vívido... Despertei?
manhã
Ouve a risada, como a da primeira namorada, e sempre precisa de alguns segundos para encontrar os sentimentos que o rondam junto da vontade de correr a cintura para as mãos darem forma à barriga que as direciona ao triângulo que ata as coxas, enquanto o perfume dos cabelos constrói o sorriso na boca que busca a nuca.
fundo
Do fundo da sala a surpresa quando a figura pequena e pálida, em camiseta branca e jeans muito justos, entra. Com toda a força a quer perto, mas não crê na concretização da vontade até o momento em que ela, com os olhos miúdos sob a franja castanha e o delicioso hálito de conhaque, profere “oi”.
.380
Ela cospe fogo. Ele nunca viu um dragão de pernas tão belas. A .380 faz mais barulho do que ela e este foi o último ruído que o pobre coitado ouviu. Não teve tempo de arrepender-se.
éter
dissonância
“não estamos bem”, diz.
o olhar quer transparecer distância.
o deitar dos mesmos olhos revela desejo.
helena
Quando, na boca não tua, vejo os dentes pequenininhos e a brisa mais uma vez mover o desgrenhado, sinto com o perfume o hálito de malzbier. É inverno e o sol nos aquece ao tempo em que a grama umedece os nossos fundilhos.
oi, amor
“Construção”,
prelúdio da tempestade.
E o triste salão vazio?
Este me acentua a saudade.
Sempre o teu rosto...
Creio que me ama,
mas de verdade.
deixar de existir
A noite era a mesma em seu interior e não fazia diferença olhos fechados, olhar para dentro de si ou deitá-los à sua volta, afinal sempre foi matéria a se dissipar.
escapismo
Claro que ele quer e teve dificuldade em esconder o sorriso de satisfação ao obter o que não desejava querer. Verdade? Esteve sempre sob o negativo das promessas e, eventualmente, tão descarada quanto as velhas Color Climax. Já o sentido não passa de um privilégio deixado para trás, há muito, quando o dever subjugou o ser. Será o escapismo uma possibilidade ao tal “fugidio menteur”?
tácito
ele não se manifesta.
ela, comprometida, afirma “não traio”.
ele reconhece o absurdo que nutre.
ela o ensina a não negar o que sente.
derrama
Exercitou o desejo com quem ama, mas também com quem devorou pleno das vontades e valores das meias listradas.
contemplação
Respeitoso, desvia o olhar. Sentado, comprime as pálpebras a fim de sentir as palavras deslizarem enquanto as elaborações golpeiam os miolos. Ergue a cabeça, busca o perfume dela, então abre novamente os olhos e os direciona à esquerda, para o móvel onde muitas vezes se sentiu próximo por força das coxas que o envolveram e do toque dos calcanhares dos pés cruzados para mantê-lo preso.
mentiroso
Faz duas madrugadas que o céu alaranjado a transformou em sombra sorridente com os olhos sobre mim.
e eu continuarei mentindo... eu prometo
Nega a centelha para emergir buscando o ar rarefeito do plausível e crê-se espectro valendo-se da intangibilidade, porém está mais para médium vomitando ectoplasma.
de joelhos
segredo
Por que um desejo, formulado na madrugada e atendido, deveria assustar? Tolices à parte, quer mais é admitir a alegria da presença, mesmo que através da chorosa ansiedade provocada pela ausência que tem ares de fuga.
dislexia
Acha graça da lembrança dela comentando que não entenderia a sua letra e se envaidece ao reviver a voz e o olhar envergonhados da linda figura derramando que mesmo a sua não é bela e seu nítido tom de confidência ao dizer que sabia o que não conseguiria esconder dele.
gris
seres fantásticos
Estava escuro e a gata, ao morder a minha mão, tentava me alertar sobre algo. Por muitas vezes tentei aguçar a visão, mas via apenas um vulto, algo que parecia se mover sobre a porta na altura da ventarola. Sim, se movia mesmo. Ficou evidente quando fiz o som de sempre para chamar a gatinha e então pude vê-lo caminhando agarrado à parede, olhando para mim. Grandes olhos, ar assustado, corpo esguio e longos e finos dentes à mostra. Silencioso como um espectro, parecia mesmo não pertencer a este mundo. Mas o que eu conheço deste mundo afinal?
café
Quando sente o perfume não faz questão de evitar pensar nas xícaras grossas e na figura esguia que, de negro e cabelos presos, torcia nervosamente para que anotasse seu pedido.
filha
No sonho ela repousa a cabeça e a mão sobre o peito dele, gargalha enquanto conta histórias e a televisão berra antigos programas. Era menina a primeira vez que o procurou, tão triste que as lágrimas rolaram até que, já muito cansada, adormeceu e agraciou-lhe com a baba filial.
fuga
Meu reflexo não responde aos movimentos, tão imerso nos pensamentos que meu falso no vidro só faz é me observar. Quem sabe não fosse também capaz de ver a verdade se me pusesse a observá-lo? Atropelo os sinais por ignorância ou temor que assumam relevância no campo do plausível. Você me pergunta o que quero, então sufoco e dissimulo as vontades direcionando o olhar ao vazio ou aos muitos elementos que a janela me proporciona enquanto discorro e supervalorizo miudezas.
suspiro
Alegra-se ao notar a presença e então emudece. Não por não ter o que dizer, mas por pensar se deve realmente se manifestar. Quer com ela recordar, ouvi-la dizer que lembra e que também sente falta. Quer ouvir a voz e as palavras daquele domingo.
vagante
Através da noite flutua um espectro de formas suaves e que se movimenta sem nada tocar, com um sorriso sereno direcionado a si e olhos ao céu. Não deve realmente existir.
cama
Sua companheira já havia levantado quando finalmente deixa a cama. Com um sorriso distraído e cabelo desgrenhado, ela põe-se a arrumar os lençóis. O travesseiro dela é perfumado enquanto o seu cheira a suor.
azul
Não é o desejo de vislumbrar as pequenas nuvens perdidas entre botões o que tem a dizer o sonho recorrente?
sessão desenho
Saíram juntos, mas naquela manhã não eram mais os mesmos. De mãos dadas, como irremediavelmente atadas, após poucas quadras o impensável foi dito. Incapaz de responder o que desejava, covardemente transformou o sonho em culpa.
como hoje
Deleitava-se com o perfume dos cabelos enquanto o ininterrupto pipocar do motor sobrepunha-se ao ranger do casco da velha embarcação e a chuva densa, como uma cortina branca que vez ou outra ocultava a terra, golpeava-lhe o rosto.
semissono
Daquela sonolência desperta a mente em alvoroço e, buscando provas, a retina queima ante o que as telas irradiam, as palavras que apenas incitam o estado de inquietação. Dando as costas, franze o cenho e opta pelo calar. Tarde demais. O calar é calor do fogo que já o consome. A afirmação não estava na negativa, mas a verdade desvelava-se na negação.
gestalt
Podem tanta mágoa, tristeza e decepção terem ficado para trás? Apenas as boas recordações têm força para envenenar a alma e mantê-lo preso ao passado ou são os pensamentos ruins que estas lembranças agradáveis trazem que reafirmam a falta de perspectiva e a prescindibilidade?
pau mole
Não entendo essa excitação pau mole. Algo há no baixo ventre e com direito a pré-porra. Meio gozo sem ereção. Excitação mental. Desejo contido. A cara de desdém e a construção do abuso me dão nojo, mas o rabo delicioso, as pernas curtas, mãos e pés bonitos... Um tesão danado.
trepanação
Certa da própria discrição, acreditou que o flerte passaria despercebido. Para ocultar a insegurança, fez-se de desentendido. Ela se encantou e isso doeu.
aconteceu
Precisou, naquele breve espaço de tempo, racionalizar. Aproximaram-se, beijou-lhe a bochecha e educadamente abraçaram-se. Constrangeu-se quando ela carinhosamente tocou-lhe com o rosto o pescoço ao repousar a cabeça em seu ombro.
distúrbios visuais
Por um momento esqueço os rostos e corpos que dançam, falam comigo e me tocam, frutos da cabeça habitada por seres fantásticos, duendes descansando sobre frascos de colutório e bruxas perambulantes.
des mots II
— Eu sei que você tem desejo por mim. — ela diz com todas as letras.
— Não te quero mais. — ele mente para si.
dique
pedaços
des mots
Fantasiou a descrição dos gostos no rosto próximo e sob o perfume dos cabelos, o calor das coxas citadas ao pé do ouvido na ponta dos dedos e o suspiro ao tempo em que estreita o espaço entre as pernas.
eu te amo tanto
Ainda distantes, ela o viu e ele ao seu sorriso. A pequena já ia ligeiro e, quando mais perto, deu a corridinha para lançar-se aos braços dele. “Oi, Fá!” Não eram namorados.
popa
Na luta contra o preconceito é revelado o desejo naquela que faz “entrismo”. Esguia como lembrava e popas à mostra, sarra na situação a qual se sujeitou para ter a chance de boliná-la. A contrapartida? Ao descer a escada, após longo tempo tentando desfazer-se da ereção, outra sensualmente toca sua cabeça nua e com os lábios lilás beija sua boca. Ele ignora, afinal não quer dar corda à parcela incestuosa de quem o trai, enquanto na beberagem procura não esquecer os flashes que são como golpes no estômago.
cafofo
espelho da cachola.
se cova, de todo natimorto;
quando caixa, do escravo do irrepresável.
morada.
borzeguins
Quando a vejo, de pernas cruzadas e ostentando suas botinhas favoritas, penso em como era com o par de coturnos que usou até que encontrassem seu fim.
circum-navegação
De Áries para Sagitário, então de Sagitário até Libra e ao limbo. No vagar de dezenas de Eras, em três na meia vida e com o exaustivo tom de vida e meia, lhe ocorre a vontade de apenas circum-navegar.
los colores
À exceção da pele muy alva, lábios pálidos, os cabelos azuis que lhe mancharam a camiseta e as cuecas marinho que tão bem acomodavam a pequena bunda, o que restava era cinza em sua memória.
a raiva
um amor é amor, mesmo no éter
A vontade, mesmo nascida para habitar exclusivamente o campo das ideias, deveria bem bastar, afinal é também experiência completa e com fim em si, mas que mal, na mutualidade, um aceno considerar a sua existência plena? E como não permitir transbordar se também é como tocar?