Do outro lado do salão, sei que me evita o olhar e faz o possível para afastar de mim o pensamento enquanto procura anestesiar a cabeça com toda a variedade de substâncias que tem ao alcance, mas eu estou aqui e também estou aí a envenenar você, como insiste para si. “Não sou veneno, sabe?” Então luta e teima em me fazer pessoa sob a justificativa impossível, que oculta e nega, de que eu quero você quando não posso, afinal eu sou também o você que deseja com força.
Ao som da música que lhe perturba, fecha com brutalidade os olhos quando surjo à sua direita, apesar de sempre me ter à esquerda, e, com violência ao pé do ouvido, sussurro enquanto, forte, o meu pequeno dedo em riste lhe cutuca a costela. Você me quer, eu sei. Quer toda a minha violência e a rispidez infantil que você sempre responde com o seu “me deixa em paz” e a besta e despropositada soberba da razão adulta. Ainda assim eu não retruco com o “foda-se” que você espera, apenas vou e volto sem nunca lhe deixar.
Eu sou toda a sua vontade, a manifestação da plenitude da sua força e lhe provoco desconforto ao esfregar na sua cara a realidade que coloca em xeque essa sua morna e aconchegante ideia, que crê certeza, de que é débil.
A noite terá fim e eu terei você nos braços, de mente vazia e voracidade nos lábios, com a luz do dia a lhe cegar e você fará ouvidos moucos para o ruído do trânsito incessante que inutilmente tentará lhe dizer que esse não é o seu lugar e que, reservado para você, há todo um mundo a ser controlado. Não, lá não é o seu lugar. Aqui está a verdade. Toda a verdade, você bem sabe.
Eu sou os seus punhos cerrados, sou a mente que arde e é minha a língua que lhe percorre as juntas ensanguentadas, mas é você quem sente o sabor metálico do sangue e sorri.
Eu sou o seu gozo sem ereção e é meu o delicioso colo quente onde a sua cabeça repousa do sexo sem penetração.
São meus os mamilos que suga para se enebriar do sal do suor, “selvagem!”
Eu sou os sulcos que ostenta entre as sobrancelhas e o fogo que esconde sob as lentes.