pedaços

No labirinto do passado que ainda não deixou de ser próximo, demonstra carinho na sala de luz intermitente e recebe descaso e respostas às perguntas que não faz. À penumbra do outro cômodo encontra desprezo ao revelar respeito e, após a perseguição habitual da mulher que, de cabelos e lábios vermelhos, bisbilhota por entre as venezianas, parte deixando o clima nublado para encontrar o céu limpo e o calor na baixa vegetação à margem do rio que nunca fez parte da paisagem. Buscando alívio, oculta suas coisas no mato à beira da estrada e devagar despe-se enquanto caminha em direção à água quando nota o próprio rosto em meio retrato rasgado. A cada tentativa de aproximação uma lufada afasta a fotografia das mãos e, para seu espanto, há incontáveis outros fragmentos, pertences, desenhos, publicações e ainda parte de uma história compartilhada, descartada e parcialmente destruída. Estupefato segue o rastro, triste e assustado pela impossibilidade de recolher o que encontra. Desnorteado se arrasta na lama e agachado atravessa alambrados já visitados por alguém. São nítidas a violência e a devastação. Finalmente chega a uma construção inacabada, variação de uma que há muito o perturbara, e, em caixas, prateleiras e sacos, encontra muito do que havia ficado abruptamente para trás e recusara reconhecer a existência. Vasculha sem forças e vagarosamente tenta reuni-las, mesmo com a sensação do vão esforço. Quando a dor, a tristeza e as lágrimas que não rolam tomam conta dele, ela surge nua e ostentando as formas que ele bem conhece. Chorando e declarando arrependimento, ela se aproxima ensaiando tocá-lo. Claro que não o faz, substituindo o gesto pelos “não devia ter feito isso” e “me perdoa” enquanto agarra alguns travesseiros que afirma serem dele. Rebolativa dá as costas sem parar de chorosamente argumentar e se oferece para colocar tudo em um táxi para devolvê-lo. Assombrado, por um momento quer envolvê-la pela cintura e trepar como fizeram durante anos, mas o pensamento é interrompido quando ela insiste que leve a cama onde dormira com outros. Ofendido, recusa rispidamente a proposta absurda ao lembrar dos nomes dos indivíduos com quem revelara ter transado. Ela se abraça à arma de sempre quando nota o descontentamento, luta para tornar altruísmo a humilhação que impõe. Inesperadamente surge o atual companheiro que, ao ouvir a réplica, diz “não lute contra”. Ele acena que não o fará. Ainda triste a segue naquele lugar, observando nuca, ombros, a cintura fina, a volumosa bunda e seus passos curtos devido a baixa estatura, querendo novamente fodê-la.